terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Estudos relacionados ao Conceito de Saúde e do Processo de Saúde Doença.

Natália Zappa
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O CONCEITO DE SAÚDE E
DO PROCESSO SAÚDE–DOENÇA



Preliminarmente há que se definir claramente sobre o que estamos falando
e os objetivos que pretendemos atingir, ou seja, discutir um sistema de saúde
que tem como objeto de trabalho o processo saúde-doença, em sua
complexidade e abrangência, e seus determinantes das condições de saúde da
população.
Desse modo, a saúde deve ser entendida em sentido mais amplo, como componente
da qualidade de vida. Assim, não é um “bem de troca”, mas um “bem
comum”, um bem e um direito social, em que cada um e todos possam ter assegurados
o exercício e a prática do direito à saúde, a partir da aplicação e utilização
de toda a riqueza disponível, conhecimentos e tecnologia desenvolvidos
pela sociedade nesse campo, adequados às suas necessidades, abrangendo promoção
e proteção da saúde, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação
de doenças. Em outras palavras, considerar esse bem e esse direito como componente
e exercício da cidadania, que é um referencial e um valor básico a ser
assimilado pelo poder público para o balizamento e orientação de sua conduta,
decisões, estratégias e ações.
A partir daí, deve-se perguntar: afinal, o que significa esse processo saúdedoença
e quais suas relações com a saúde e com o sistema de serviços de saúde?
Em síntese, em termos da determinação causal, pode-se dizer que ele representa
o conjunto de relações e variáveis que produz e condiciona o estado de
saúde e doença de uma população, que se modifica nos diversos momentos históricos
e do desenvolvimento científico da humanidade.
Assim, houve a teoria mística sobre a doença, que os antepassados julgavam
como um fenômeno sobrenatural, ou seja, ela estava além da sua compreensão
do mundo, superada posteriormente pela teoria de que a doença era um fato
decorrente das alterações ambientais no meio físico e concreto que o homem
vivia. Em seguida, surge a teoria dos miasmas (gazes), que vai predominar por
muito tempo.

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DISTRITOS SANITÁRIOS: CONCEPÇÃO E ORGANIZAÇÃO

Até que, com os estudos de Louis Pasteur na França, entre outros, vem a prevalecer
a “teoria da unicausalidade”, com a descoberta dos micróbios (vírus e
bactérias) e, portanto, do agente etiológico, ou seja, aquele que causa a doença.
Devido a sua incapacidade e insuficiência para explicar a ocorrência de uma
série de outros agravos à saúde do homem, essa teoria é complementada por uma
série de conhecimentos produzidos pela epidemiologia, que demonstra a multicausalidade
como determinante da doença e não apenas a presença exclusiva de
um agente. Finalmente, uma série de estudos e conhecimentos provindos principalmente
da epidemiologia social nos meados deste século esclarece melhor a
determinação e a ocorrência das doenças em termos individuais e coletivo.
O fato é que se passa a considerar saúde e doença como estados de um mesmo
processo, composto por fatores biológicos, econômicos, culturais e sociais.
Deve-se ressaltar ainda o recente e acelerado avanço que se observa no campo
da Engenharia Genética e da Biologia Molecular, com suas implicações tanto na
perspectiva da ocorrência como da terapêutica de muitos agravos. Desse
modo, surgiram vários modelos de explicação e compreensão da saúde, da
doença e do processo saúde-doença, como o modelo epidemiológico baseado
nos três componentes – agente, hospedeiro e meio –, considerados como fatores
causais, que evoluiu para modelos mais abrangentes, como o do campo de
saúde, com o envolvimento do ambiente (não apenas o ambiente físico), estilo
de vida, biologia humana e sistema–serviços de saúde, numa permanente
inter-relação e interdependência.
Alguns autores questionam esse modelo, ressaltando, por exemplo, que o
“estilo de vida” implicaria uma opção e conduta pessoal voluntária, o que pode
não ser verdadeiro, pois pode estar condicionado a fatores sociais, culturais,
entre outros.
De qualquer modo, o importante é saber e reconhecer essa abrangência e complexidade
causal: saúde e doença não são estados estanques, isolados, de causação
aleatória – não se está com saúde ou doença por acaso. Há uma determinação
permanente, um processo causal, que se identifica com o modo de organização da
sociedade. Daí se dizer que há uma “produção social da saúde e/ou da doença”.
Em última instância, como diz Breilh, “o processo saúde-doença constitui
uma expressão particular do processo geral da vida social”.
Outro nível de compreensão que se há de ter em relação ao processo saúdedoença
é o conceito do que é ser ou estar doente ou o que é ser ou estar saudável.
Sem aprofundar as grandes discussões sobre esse tema, que envolvem entre
outras, como base de discussão preliminar e compreensão, as categorias da
“representação dos indivíduos” e a “representação dos profissionais” ou mesmo
das instituições de saúde, em um sentido mais pragmático pode-se destacar
que em toda população há indivíduos sujeitos a fatores de risco para adoecer
com maior ou menor freqüência e com maior ou menor gravidade. Além do
que, há diferenças de possibilidades entre eles de “produzir condições para sua
saúde” e ter acesso aos cuidados no estado da doença.

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O CONCEITO DE SAÚDE E DO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA


Há, portanto, grupos que exigem ações e serviços de natureza e complexidade
variada. Isso significa que o objeto do sistema de saúde deve ser entendido
como as condições de saúde das populações e seus determinantes, ou seja, o
seu processo de saúde-doença, visando produzir progressivamente melhores
estados e níveis de saúde dos indivíduos e das coletividades, atuando articulada
e integralmente nas prevenções primária, secundária e terciária, com redução
dos riscos de doença, seqüelas e óbito.
Desse modo, há que se compreender outra dimensão, que é aquela que coloca
o processo de intervenção, por meio de um sistema de cuidados para a saúde
para atender as necessidades, demandas, aspirações individuais e coletivas,
como um processo técnico, científico e político.
É político no sentido de que se refere a valores, interesses, aspirações e relações
sociais e envolve a capacidade de identificar e privilegiar as necessidades
de saúde individuais e coletivas resultantes daquele complexo processo de
determinação e acumular força e poder para nele intervir, incluindo a alocação
e garantia de utilização dos recursos necessários para essa intervenção.
É técnico e científico no sentido de que esse saber e esse fazer em relação à
saúde-doença da população não devem ser empíricos, mas podem e devem ser
instrumentalizados pelo conhecimento científico e desenvolvimento tecnológico,
pelo avanço e progresso da ciência.
Portanto, o saber e o fazer em relação à saúde da população mediante um sistema
de saúde é uma tarefa que implica a concorrência de várias disciplinas do
conhecimento humano e a ação das diversas profissões da área de saúde, bem
como ação articulada entre os diversos setores, que é requerimento para a produção
de saúde.
E aquela dimensão política inerente a esse processo social remete para a
necessidade de satisfazer um outro requerimento, próprio dos processos políticos
democráticos, que é a participação social, ou seja, a participação ativa da
população na formulação, desenvolvimento e acompanhamento das políticas e
dos sistemas de saúde, que hoje, no SUS, está minimamente estabelecida nos
conselhos de saúde (nacional, estadual e municipal) e conferências de saúde.
Estabelecidas essas preliminares conceituais e diretivas em relação à saúde e
doença, ao seu processo de determinação e ao sistema e serviços de saúde e seu
objeto de ação, ou seja, as bases conceituais de referência, passaremos à discussão
e análise do modelo de atenção SILOS/Distritos Sanitários.

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